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Mostrando postagens de setembro, 2016

UMA CARTA DE AMOR

Dizia já Fernando Pessoa que todas as cartas de amor eram por natureza, esdruxulas. Talvez o que ele não compreendesse quando escreveu isto é que elas fazem sentido apenas para os apaixonados. Veja, não tenho habilidades para esse gênero literário, mas por você eu quero tentar ser a melhor escritora de cartas de amor. Houve um tempo em que tudo foi trevas por aqui. Se tens a imagem internalizada de uma terra infértil e desabitada, em ruínas onde nem o sol ousa tocar, podes imaginar como foram as trevas do meu coração. Gostaria que pudesses imaginar ao menos por um instante esta cena.  É engraçado e curioso como as coisas acontecem. Jamais imaginaria que chegaríamos até aqui. Cultivou-se uma amizade terna e alguns abraços sinceros.  Sempre pudemos ser nós mesmos diante de nós. Não precisamos forjar uma imagem melhorada ou esconder nossa face sob mascaras. Não foi necessário. Também nunca foi necessário dizer nada para que nos compreendêssemos. Temos sido bons com os si

Conto I

Eu sempre soube que aqueles olhares não eram gratuitos. As gentilezas, a doçura... É fácil notar o encantamento masculino. Via de regra, eles não disfarçam melhor que as mulheres. É nítido que o que eu sentia por ele era muito mais sutil, mas não deixava de ser igualmente especial. Ficava um longo período admirando seus olhos, seus cabelos, o movimento incomparável de sua boca enquanto ele falava comigo, sua voz que havia se tornado muito mais grave desde nosso último encontro. Como qualquer canceriano, era retraído em algumas emoções, então seus abraços delicados não duravam mais que alguns instantes. Mas adorava quando conseguia durante alguma conversa faze-lo sorrir. Era o mais belo desafio e a mais encantadora recompensa. Seus olhos sorriam consigo. Em uma manhã de inverno, seu irmão me convidou a vê-lo. Mais uma crise havia feito ele refém do quarto por alguns dias. Assim que entrei, notei seu incomodo com minha presença.    - Não queria que me visse assim

COTIDIANO

6:00. Segunda-feira. Inicia-se a rotina cotidiana. Café, jornal, barra de cereal, metrô. Esbarra, pede desculpas.      - Com licença.      - Obrigada.      - Que raiva!      - Qual o prazo mesmo?      - Entrego amanhã, pode deixar.      - Alô? Oi, pode me ligar daqui 15 minutinhos? Estou em outra ligação...      - Oi? Hoje à noite? Pois é, não dá...      - Ok, refaço.      - Sem problemas. E volta para casa. E deita na cama. E puxa a gaveta de aspirinas. Pega o notebook. Inteiramente preso no cotidiano, na rotina, no descaso consigo. Ignora as manchetes dos noticiários. Ignora as músicas do último Rock'n Rio.      - Quando foram as últimas eleições?      - Ah, verdade. O senado cada vez mais corrupto. Quase de modo automático acorda, se alimenta, pensa e responde. Vive? Já viveu. Talvez haja cura para isso.      - Aspirina? Se não vive, ao menos produz. É isso o que importa.